O poder público, em todas as esferas, erra fragorosamente na gestão de nossas cidades e campos, focando suas ações em leis e normas que não são cumpridas e no gerenciamento de crises, em vez da prevenção.
OPINIÃO ABRAEI
A nossa coirmã, a Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE), divulgou um texto dirigido à sociedade brasileira no qual alerta para a recorrência de desastres relacionados a eventos geológicos e hidrogeológicos previsíveis, que poderiam, pelo menos, serem minimizados a partir de uma gestão pública responsável. Trata-se de brilhante análise, que merece ser lida com atenção, porquanto desnuda o descaso do poder público ao tratar de assunto que, invariavelmente, atormenta e entristece os brasileiros, e propõe soluções para a mitigação dessas calamidades.
É irônico que, conquanto estejamos enfrentando grandes dificuldades representadas por inundações, deslizamento de morros e encostas, destruição e mortes, até recentemente o Brasil estava na iminência de sofrer um colapso hídrico de dimensões dramáticas. Então, mais que depressa, fomos surpreendidos e penalizados pelo poder público com o acréscimo de bandeiras espoliativas nas contas de luz. Perfilando na ala dos que querem ajudar, a ABRAEI fez chegar à Prefeitura de Uberaba um documento contendo propostas para o enfrentamento da severa escassez de recursos hídricos no município, situação vivida até o início do mês de novembro passado. Coincidentemente, a partir de dezembro, a chuva tem sido generosa para com a cidade de Uberaba. Mas, em contrapartida, em outras regiões de Minas Gerais e em vários locais do Brasil, a população vem sendo fustigada por chuvas torrenciais e frequentes, trazendo consigo as consequências dramáticas que o fenômeno acarreta, como o transbordamento de córregos, rios, barragens, diques e represas. De tal sorte, o que antes representava um anseio da população, hoje já está sendo vilanizado como um flagelo.
As enchentes, infelizmente, estão provocando prejuízos financeiros de grande monta em algumas regiões brasileiras, provocando a destruição do patrimônio, meio ambiente e animais de toda espécie, além do mais temível e insuperável dos problemas: a morte de inúmeras pessoas. Então, a conjugação desses infortúnios deixa-nos a todos surpresos e perplexos. Ocorre, entretanto, que todo ano esse fato se repete, invariavelmente, e a conclusão a que chegamos é que essas indesejáveis ocorrências estão muito ligadas à ineficiência do poder público, que não consegue se organizar efetivamente para combatê-las. Não consegue, por exemplo, exercer o seu poder de polícia, impedindo que pessoas habitem às margens de encostas e cursos d´água ou em áreas a jusante de barragens de água ou de rejeitos minerais, o que é ainda pior.
Todavia, é esse mesmo poder público que, a seu bel prazer, fez – e continua fazendo, agora em menor escala – estripulias de toda espécie durante a pandemia da Covid 19, confinando os cidadãos, fechando o comércio e impedindo o livre trânsito das pessoas. É o poder público, aliás, o grande responsável também por enclausurar nossos córregos urbanos, permitir o assoreamento dos nossos rios, o aniquilamento das nossas veredas e mananciais, o acúmulo de lixo por toda parte e a degradação do meio ambiente.
É fato relevante que burocratas de todos os matizes gerem nossos órgãos públicos no amplo espectro que envolve a área ambiental, e constituem, em sua imensa maioria, pessoal sem qualificação técnica adequada. Nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal – devemos ultrapassar o incrível número de mais de 6.000 desses órgãos, dentre eles os ministérios, institutos e agências reguladoras federais, passando pelas 27 secretarias estaduais e 5.568 secretarias municipais, todos eles subdividindo-se em conselhos, repartições e assessorias, via de regra geridos por servidores que talvez não consigam distinguir um pé de milho de um pé de cana. Definitivamente, estão entre nós para criar burocracia e embaraços à população. Ou, na melhor das hipóteses, para gerir as crises atuais, à espera das próximas.
A propósito, vamos citar, como exemplo de ineficiência e desperdício financeiro, o caso do Crea-MG, que, por sinal, já encaminhou aos engenheiros e empresas os boletos de anuidade do ano em curso. Autointitulado “protetor da sociedade mineira”, logo após os desastres das barragens de Mariana e Brumadinho, tratou imediatamente de constituir, em 7 de fevereiro de 2019, um certo grupo de trabalho denominado, GT BARRAGENS. Conforme o documento de criação, o objetivo do GT era fiscalizar as barragens circunscritas ao estado de Minas Gerais, sob recomendação de um certo “Conselho Ministerial de Supervisão de Respostas e Desastres” da Casa Civil da Presidência da República. Pois bem: passados quase três anos da criação, qual foi a “resposta” que obtivemos desse tal GT? Ninguém sabe, ninguém viu. Mas certamente o tal GT, com seus 11 integrantes, consumiu recursos financeiros a rodo, à custa dos engenheiros e demais profissionais registrados no órgão.
No presente contexto, podemos declarar, sem qualquer receio, que as prefeituras de Patos de Minas e Petrópolis são exemplos, entre milhares, da ineficiência e do descaso do poder público perante os seus munícipes. Ora, são esses órgãos que concedem o tal “habite-se”, documento que autoriza a habitação de imóveis. Se não há o “habite-se”, o imóvel não pode ser ocupado, seja em que circunstância for. Nesta direção, não há como negar que o poder público concordou com o plano da edificação construída, ainda que ilegal, mesmo que na circunvizinhança e abaixo do leito de um rio ou no sopé de encostas críticas. Deve-se somar à incúria das prefeituras a responsabilidade objetiva dos Creas de Minas e do Rio de Janeiro, que têm, legalmente, o dever de fiscalizar o exercício ilegal da profissão dos engenheiros nesses locais de construções irregulares. Então, todos os respectivos gestores desses órgãos, a nosso ver, deveriam ser responsabilizados por grande parte das tragédias que acontecem recorrentemente, a cada final ou início de ano no Brasil, pois estão configurados os três elementos da teoria do risco administrativo, que caracterizam a responsabilidade objetiva do Estado: a conduta administrativa, o dano e o nexo causal.
Enfim, é possível concluir que fazemos parte de um círculo vicioso, considerando, como única certeza, que, ao final deste ano, ou no início de 2023, teremos que conviver com as agruras de sempre: pagamento de impostos e taxas e lamentações por algum outro grande desastre ambiental em alguma região do país. Sem embargo, a ABRAEI recomenda a todos prestar atenção no alerta contido na carta da ABGE, que preconiza e sugere, de forma insofismável, medidas a serem adotadas pelos poderes públicos e cidadãos para construir um país melhor.